Amisso Religionis
Vossa Santidade papa Urbano VII,
É estranho como consigo
enxergar-me – mesmo não enxergando nada mais - neste canto isolado do mundo e,
ao mesmo tempo, no centro de tudo. Consigo ouvir os transeuntes lá fora rindo,
consigo cantar junto com eles, em coro. Mas não consigo acompanhá-los. É
impossível juntar-me à multidão. E eu não consigo atingir os mais fortes, não
consigo ser como tais líderes que exercem tanta força e têm tanto poder nessa
cidade - e fora dela, ao redor do mundo. Apesar de tudo - e por tudo -, eu
tento. E, enquanto tento, perco minha fé, minha religião imposta. Enquanto luto
para que meu tom de voz seja tão alto quanto o deles, contesto minhas próprias crenças.
As explicações existem e não são tão inatingíveis assim. Não são obra divina
sem explicação. Entretanto, não são, também, um absurdo demoníaco como querem
fazer parecer. São dotadas de razão. Eppur si muove. E não há nada que me prove
do contrário.
Vosso ouro pode comprar a
mente de pessoas como Cremonini e Magini, mas não é capaz de comprar o tempo, o
futuro. Ela se move, apesar de tudo; e meus sussurros sufocados não são nada
perto do que ainda vão passar. O poder troca de mãos constantemente e não será
diferente com papa algum. Ou com o legado que a santa igreja carrega. Ou com o
império defensor de mentiras, injúrias, calúnias e enganação.
Ainda não disse tudo o que
eu tinha para dizer. Ainda não ajudei as pessoas a encontrar tudo o que precisam
encontrar dentro de si mesmas e não encontrei tudo o que eu desejo encontrar
dentro de mim mesmo. Ainda sois vós quem detendes o controle e isso é
frustrante. Mas a vida é maior do que vosso império e do que a visão
teocêntrica quadrada que quereis disseminar por entre tantas mentes ignorantes
e por tantas almas ímpias. É maior do que eu e do que as minhas extremas
discordâncias. Se pensásseis que calar-me torna o santo pontífice Deus, não vos
enganeis. Eu falei demais e apenas iniciei o assunto. Isso é só o início do
vosso declínio. Posso enxergá-los tentando se reerguer enquanto escolho que
confissões proferir. Posso ver um futuro onde a queda será incessante. Posso
vê-los lutando contra o resto do mundo. Posso vê-los perdendo a guerra contra a
evolução. A guerra - suicida - contra o tempo.
Tais imagens surgem a cada
fração de tempo regular. No meio delas, estão os sonhos que nunca conseguirei
realizar. Meu medidor de tempo que sequer saiu do pergaminho, as melhorias que
eu poderia inserir no telescópio, o casamento de Virgínia, que Maria Celeste se
tornou. Verdade foi minha insistência na carreira de santidade, mas, devido aos
recentes acontecimentos, só posso lamentar a morte da minha filha dentro
daquele ninho de cascavéis arrogantes.
Cascavéis essas que se fazem
de santas quando visam o ouro e o prazer como nós, meros mortais. Que traem
como o mais vil dos humanos e que mentem mais do que todos nós juntos. Vossa
visão não ficou comprometida pelo fanatismo. Foi o fanatismo quem foi afetado
pela visão de tamanho controle que detendes e também pelo poder que podem vir a
possuir.
Todas as verdades são fáceis
de entender, uma vez descobertas. O caso é descobri-las. E, Deus queira, que a
verdade sobre vós, seres profanos cobertos pela máscara da santidade, seja
revelada. Deus queira que também sejam condenados na fogueira dos homens. Deus
queira que as pessoas possam abrir seus olhos e possam perceber tamanha
cegueira imposta. Não será um caminho simples, eu sei, mas, no fim, vossa ruína
é inegável porque a verdade é filha do tempo, e não da autoridade. Posso vê-los
caindo. Posso ver as ruínas do castelo de São Pedro. Posso ver seus anjos e
adornos ardendo no fogo eterno do inferno.
Para vossa desgraça, eu não
me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão
e intelecto, pretenda que não os utilizemos. E, para vossa maior desgraça,
também tenho voz. E, pasmem, ela soará em alto e bom som. Um dia. Num futuro
nem tão distante assim, minha voz soará pelos quatro cantos do Vaticano. E do
mundo.
Não sois vós cegos. Sois vós
espertos e inteligentes. Cegos são seus seguidores, que não enxergam vossa
esperteza. Astuciosos como coelhos, sabeis o que eu digo e sabeis bem que é
verdade. Só ignoram, propositalmente, que a verdade não resulta do número dos
que nela creem.
Só não querem perder o
título de “centro do universo”.
Só não querem perder o
controle da mente dos seres inferiores.
Só não querem parar de brincar
de Deus.Seu humilde
prisioneiro,
Galileo Galilei
Inspirado na história de Galileu Galilei e na música "Losing my religion" da banda R.E.M
*"Eppur si muove" - "Apesar de tudo ela se move"
*"Eppur si muove" - "Apesar de tudo ela se move"
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