Amisso Religionis

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Amisso Religionis


Vossa Santidade papa Urbano VII,


É estranho como consigo enxergar-me – mesmo não enxergando nada mais - neste canto isolado do mundo e, ao mesmo tempo, no centro de tudo. Consigo ouvir os transeuntes lá fora rindo, consigo cantar junto com eles, em coro. Mas não consigo acompanhá-los. É impossível juntar-me à multidão. E eu não consigo atingir os mais fortes, não consigo ser como tais líderes que exercem tanta força e têm tanto poder nessa cidade - e fora dela, ao redor do mundo. Apesar de tudo - e por tudo -, eu tento. E, enquanto tento, perco minha fé, minha religião imposta. Enquanto luto para que meu tom de voz seja tão alto quanto o deles, contesto minhas próprias crenças. As explicações existem e não são tão inatingíveis assim. Não são obra divina sem explicação. Entretanto, não são, também, um absurdo demoníaco como querem fazer parecer. São dotadas de razão. Eppur si muove. E não há nada que me prove do contrário.

Vosso ouro pode comprar a mente de pessoas como Cremonini e Magini, mas não é capaz de comprar o tempo, o futuro. Ela se move, apesar de tudo; e meus sussurros sufocados não são nada perto do que ainda vão passar. O poder troca de mãos constantemente e não será diferente com papa algum. Ou com o legado que a santa igreja carrega. Ou com o império defensor de mentiras, injúrias, calúnias e enganação.

Ainda não disse tudo o que eu tinha para dizer. Ainda não ajudei as pessoas a encontrar tudo o que precisam encontrar dentro de si mesmas e não encontrei tudo o que eu desejo encontrar dentro de mim mesmo. Ainda sois vós quem detendes o controle e isso é frustrante. Mas a vida é maior do que vosso império e do que a visão teocêntrica quadrada que quereis disseminar por entre tantas mentes ignorantes e por tantas almas ímpias. É maior do que eu e do que as minhas extremas discordâncias. Se pensásseis que calar-me torna o santo pontífice Deus, não vos enganeis. Eu falei demais e apenas iniciei o assunto. Isso é só o início do vosso declínio. Posso enxergá-los tentando se reerguer enquanto escolho que confissões proferir. Posso ver um futuro onde a queda será incessante. Posso vê-los lutando contra o resto do mundo. Posso vê-los perdendo a guerra contra a evolução. A guerra - suicida - contra o tempo.

Tais imagens surgem a cada fração de tempo regular. No meio delas, estão os sonhos que nunca conseguirei realizar. Meu medidor de tempo que sequer saiu do pergaminho, as melhorias que eu poderia inserir no telescópio, o casamento de Virgínia, que Maria Celeste se tornou. Verdade foi minha insistência na carreira de santidade, mas, devido aos recentes acontecimentos, só posso lamentar a morte da minha filha dentro daquele ninho de cascavéis arrogantes.

Cascavéis essas que se fazem de santas quando visam o ouro e o prazer como nós, meros mortais. Que traem como o mais vil dos humanos e que mentem mais do que todos nós juntos. Vossa visão não ficou comprometida pelo fanatismo. Foi o fanatismo quem foi afetado pela visão de tamanho controle que detendes e também pelo poder que podem vir a possuir.

Todas as verdades são fáceis de entender, uma vez descobertas. O caso é descobri-las. E, Deus queira, que a verdade sobre vós, seres profanos cobertos pela máscara da santidade, seja revelada. Deus queira que também sejam condenados na fogueira dos homens. Deus queira que as pessoas possam abrir seus olhos e possam perceber tamanha cegueira imposta. Não será um caminho simples, eu sei, mas, no fim, vossa ruína é inegável porque a verdade é filha do tempo, e não da autoridade. Posso vê-los caindo. Posso ver as ruínas do castelo de São Pedro. Posso ver seus anjos e adornos ardendo no fogo eterno do inferno.

Para vossa desgraça, eu não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto, pretenda que não os utilizemos. E, para vossa maior desgraça, também tenho voz. E, pasmem, ela soará em alto e bom som. Um dia. Num futuro nem tão distante assim, minha voz soará pelos quatro cantos do Vaticano. E do mundo.

Não sois vós cegos. Sois vós espertos e inteligentes. Cegos são seus seguidores, que não enxergam vossa esperteza. Astuciosos como coelhos, sabeis o que eu digo e sabeis bem que é verdade. Só ignoram, propositalmente, que a verdade não resulta do número dos que nela creem.

Só não querem perder o título de “centro do universo”.

Só não querem perder o controle da mente dos seres inferiores.

Só não querem parar de brincar de Deus.Seu humilde prisioneiro,
Galileo Galilei

Inspirado na história de Galileu Galilei e na música "Losing my religion" da banda R.E.M

*"Eppur si muove" - "Apesar de tudo ela se move"

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