Onze vezes você
Primeiro a porta. Depois do
seu nome, claro.
- Leonardo.
Viro a chave para a esquerda
e então para a direita.
- Leonardo.
Esquerda. Direita. Já foram
duas vezes.
- Leonardo.
Três. - Leonardo. - Quatro.
- Leonardo. - Cinco. - Leonardo. - Seis. - Leonardo. - Sete. - Leonardo. -
Oito. - Leonardo. - Nove.
Vamos... Falta pouco.
- Leonardo.
Esquerda, direita. Dez.
- Leonardo.
Minha voz ecoa na sala
escura e vazia. O décimo primeiro "Leonardo" ainda dança em meus
ouvidos confundindo minha mente.
Assim como você o fez.
Desviou-se do meu caminho,
driblou meus detetives e não atendeu minhas ligações. Eu deveria ter desistido.
As luzes. Apagar e acender
cada uma dez vezes, intercaladas com minha voz dizendo seu nome, como num
mantra sórdido. Não. "Como num mantra sórdido" não. É um
mantra sórdido. Talvez chamá-lo me faça perceber que, sem nenhuma resposta,
você não está escondido em algum canto pronto para fazer comigo o que fez com
inúmeras outras; pronto para terminar o serviço. Ou, como dizem os psiquiatras,
isso só serve para reforçar ainda mais meu medo.
Ainda me sinto culpada.
Todos dizem que a culpa não é minha, mas fui eu quem pediu seu número ao dono
do cassino. Eu deveria ter deixado para lá quando engasguei ao ouvir sua voz
grave ao telefone. Não deveria ter insistido depois de desligar sem dizer nem
ao menos uma palavra.
Disseram que minha obsessão
era doentia, mas a sua era mil vezes mais.
- Leonardo.
Pela décima primeira vez ao
conferir a lâmpada da área de tanque. A última. É a vez das janelas. Uma de
cada vez. Acompanhado pelo mesmo mantra macabro.
Já tinha algum tempo que eu
te conhecia. Sabia quando acordava, quando ia para o trabalho e quando dormia.
Não dizem que mulher ciumenta investiga melhor que o FBI? Mulher apaixonada
também.
Foi assim que eu descobri
tudo. O início da minha ruína. O motivo do meu medo, minha doença:
Você.
Enquanto confiro todas as
gavetas da casa, me lembro dos corpos, do sangue, de todas as moças que
passaram por suas mãos de precisão cirúrgica. Lembro que o policial falou dos
lugares certeiros que foram cortados. Os nervos mais sensíveis e menos mortais.
Tudo friamente calculado para sentir a maior dor possível no maior tempo
possível.
E eu, tola que era, só fui
descobrir tudo tarde demais. Eu já te amava, já tinha ido à sua casa e já tinha
te dado meu nome. E sabia demais. Depois disso, foi só uma questão de tempo até
me ver sendo perseguida por um serial killer digno de Law and Order SVU.
- Leonardo.
Eu poderia deixar de
verificar a linha telefônica. Poderia ir diminuindo aos poucos, como o médico
disse. Foco, força e fé. Fecho os olhos e concentro toda a minha fraca força
num só pensamento:
- Eu não preciso disso.
O mantra, dessa vez, não é
tão macabro. Eu posso me curar, sei que posso. Você não vai chegar aqui e o
telefone vai funcionar perfeitamente.
As luzes dos carros da
polícia, as vozes dizendo para chamar uma ambulância e que ela ainda estava,
milagrosamente, viva. Só depois descobri que "ela" era, na
verdade, eu e que eu não estava morta. Não sei qual destino seria
pior.
- Eu não preciso disso. Ele
morreu. Ninguém vai me atacar. O telefone funciona. Não está cortado. Eu paguei
a conta.
Doía. Cada terminação
nervosa do meu corpo doía como o inferno. As luzes passavam depressa enquanto
meus olhos mal conseguiam se manter abertos. Alguém dizia que minha respiração
estava fraca demais e que eu havia perdido muito sangue. "Por deus",
eu implorava, "me salvem!".
Talvez morrer fosse menos
torturante que ficar sentada no chão dessa sala escura lutando contra a vontade
de pegar o telefone e ligar dez vezes para o meu próprio celular.
"Diminua um pouco. Não
precisa ser de uma vez, pode ser aos poucos. Ao invés de dez, confira cinco.
Gradativamente".
A voz do Dr. Hoffman surgiu
na minha cabeça no meio das lembranças do seu sorriso perverso.
Certo. Aos poucos. Pego e
telefone e disco o número do meu próprio celular. Cinco vezes é mais do que o
suficiente dessa vez.
O brilho frio do bisturi
desvia minha atenção para o ponto no meio das minhas pernas. O sorriso branco
demais, frio demais está presente durante todo o "procedimento".
"Procedimento" é
como você chama o que faz. "Pesquisa" é o que diz que faz. Eu seria a
última "modelo", me prometeu. Dessa vez não cometeria o mesmo erro de
antes. Você realizaria a "cirurgia" e eu viveria. Ao contrário das
outras, essa seria um sucesso.
Antes que eu possa evitar,
lágrimas grossas escorrem pelo meu rosto. É a terceira vez nessa semana que eu
choro de medo quando deveria evitar senti-lo. Os soluços são altos o suficiente
para que eu deixe de escutar o som do celular tocando ao meu lado. Eu preciso
me acalmar. Me acalmar e terminar de testar o telefone. Cinco vezes. Apenas
cinco.
O julgamento, a pena de
morte, o olhar assassino quando eu testemunhei. A única vítima viva. De todas
as cinquenta e duas mulheres, eu fui a única que não havia morrido. Sorte ou
azar?
Enxugo meu rosto e
me levanto. Agora existe uma mancha de lágrimas no tapete. De novo.
Olho para o telefone e me dou conta de que o verifiquei dez vezes.
Como sempre, nenhum avanço.
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